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07-08-2022

Conheça Mayara Magri, a carioca de origem humilde que virou bailarina principal do Royal Ballet de Londres

Filha de um taxista e de uma funcionária de escola de dança, ela começou aos 8 anos, com bolsa integral. Hoje protagoniza adaptações de clássicos como 'Romeu & Julieta' e 'Dom Quixote'

A bailarina carioca Mayara Magri, 28 anos, “voou” da rotina humilde, no bairro Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro, para o Royal Ballet de Londres, a primeira e mais importante companhia de balé do Reino Unido e uma das mais respeitadas do mundo. Foi um voo com escalas duríssimas de encarar.

Filha de um taxista e de uma funcionária da secretaria de uma unidade do grupo em que se iniciou na dança, Mayara chegou à escola do Royal em 2011, aos 16 anos, após ser eleita a melhor bailarina em concursos de ponta na dança, entre eles o YAGP, em Nova York, o Prix de Lausanne, na Suíça, e o Festival de Joinville, em Santa Catarina, o mais importante da América Latina. A conquista no Prix lhe rendeu uma bolsa para estudar no Royal.

Hoje, Mayara é uma das oito bailarinas principais da companhia britânica, a quem são entregues os maiores papéis protagonistas nas montagens. Vive no norte de Londres. É especialista no passo fouetté, um dos mais difíceis da dança, em que é preciso girar 32 vezes sem interrupção. Dá para ficar tonto só de pensar.


Um esclarecimento: o Mayara Magri da moça não é inspirado no nome da atriz paulista. “Só coincidência. Meu nome completo é Mayara Magri Venerando da Graça. Magri porque é o sobrenome da minha mãe. E Mayara porque meus pais gostavam, sem ligação com a atriz. Somos três irmãs, todas com nome começando em M”, conta. Um solo executado com maestria, como pode ser percebido nessa conversa com o R7 ENTREVISTA. Acompanhe:

Antes de tudo, uma curiosidade: seu Mayara Magri tem inspiração na atriz brasileira de mesmo nome?
Mayara Magri – Não, não tem. Você deve imaginar como perguntam isso, né? Ela é ótima atriz, mas foi apenas coincidência. Meu nome completo é Mayara Magri Venerando da Graça. O nome foi escolhido pelos meus pais porque eles gostavam, sem qualquer ligação com a atriz. Magri é meu sobrenome materno. Veio da minha mãe, Ana Cristina. Venerando da Graça é o de meu pai, Marco Antônio. Tenho uma irmã mais velha e outra mais nova. Nós três temos nome iniciado com a letra M: Mayanie, Mayara e Melanie. Profissionalmente, decidi adotar mais Mayara Magri, mas é meu primeiro nome e meu sobrenome, não é um nome duplo feito do nome e do sobrenome de outra pessoa.

 

 

 

Sua origem é humilde, né?
Sim. Venho de família batalhadora e trabalhadora. Somos do Alto da Boa Vista, bairro vizinho à Tijuca, no Rio de Janeiro. Meu pai nos criou como taxista. Trabalha até hoje nessa atividade. Minha mãe é funcionária da Petite Danse da Barra da Tijuca, no Rio, uma das unidades do grupo em que eu e minhas irmãs nos iniciamos no balé, com bolsas de estudo integrais. Estudei na unidade da Tijuca.

Como foi seu início no balé?
Ganhei a bolsa com 8 anos. O balé não fazia parte da cultura da nossa família, então houve dificuldade até que meus pais passassem a frequentar as apresentações e eventos, com três meninas dançando. Minhas irmãs seguiram outros caminhos profissionais.

Como você chegou ao Royal Ballet?
Temos no Brasil o Festival de Dança de Joinville, em Santa Catarina. É o maior e o mais importante da América Latina. Acontece sempre durante as férias escolares brasileiras de meio de ano. Em 2022, rolou entre 19 de 20 de julho. Todos os anos, alunos, professores e dirigentes das escolas de dança brasileiras esperam ansiosos por esse encontro. Ensaiam coreografias, solos, apresentações em geral. Na minha terceira participação, com 14 anos, ganhei o prêmio de melhor bailarina desse festival. Dois anos depois, com 16, fui a primeira bailarina brasileira a ganhar o Prix de Lausanne, na Suíça, um dos encontros de dança mais importantes do mundo, em duas categorias: Medalha de Ouro e Favorita do Público. Essa vitória rendeu para mim uma bolsa de estudos na escola do Royal Ballet.

E aí?

Deixei o Rio e fui morar em Londres. Com um ano na escola do Royal, fui convidada a integrar a companhia, a mais importante do Reino Unido e uma das mais respeitadas do mundo.

Conquista respeitável.
Penso que sim. Meu sonho e minha vontade sempre foram chegar ao Royal Ballet of London. Mas, para poder ao menos ser avaliada por eles, precisava vencer algumas competições importantes, e isso, graças a Deus, ocorreu. Venci umas quatro, uma atrás da outra, até chegar lá. Individualmente, acho uma conquista relevante. Apenas 2% dos alunos da escola do Royal conseguem entrar na companhia de balé. Fui um desses privilegiados com apenas um ano de estudo por lá. Entrei como integrante do corpo de baile. Fui escalando degraus, tornei-me solista e, depois, uma das bailarinas principais. Ainda hoje, olhando no retrovisor, fico sem acreditar em alguns momentos.

Explique como funcionam as promoções de carreira numa companhia importante como essa.
Basicamente, há os bailarinos do grupo, do corpo de baile, e depois os que eles chamam de primeiro artista, ainda no corpo de baile. Em seguida estão os solistas, aqueles que fazem danças solo, sozinhos, em trechos da coreografia. Por fim estão os bailarinos principais, que, como o próprio nome diz, encarnam protagonistas das obras e adaptações. Os papéis de Romeu e Julieta numa adaptação do clássico de William Shakespeare, por exemplo, são tarefas para bailarinos principais. No caso do Royal, 16 bailarinos – oito mulheres e oito homens – se alternam nas montagens. 

É preciso superação.
Muita. No meu caso, limitações financeiras, estruturais, mudança de rotina e cultura, concorrências duras... Não falava uma palavra sequer de inglês quando cheguei em Londres. No Royal, fiquei três anos no corpo de baile, o que para mim não foi difícil porque tinha feito vários trabalhos como solista no Rio, mas me ensinou muito. Depois, foram mais dois anos como primeiro artista, outros três como solista e primeira solista e, por fim, o chamado para ser uma das bailarinas principais. Nesse ponto você só faz os melhores e mais maravilhosos papéis. Sonho de todo bailarino, né?

Você logo notou as diferenças de ação entre brasileiros, britânicos e europeus nas escolas de balé. Comente isso.
Há distinções curiosas. Vou dar um exemplo. No Brasil, crianças, adolescentes e jovens em formação, nas escolas de balé, dançam em qualquer lugar, o tempo todo, por qualquer motivo ou oportunidade. Não precisa sequer ter palco. Onde houver uma lona, um forro, um espaço, nós, brasileiros, estamos dançando. Escolas brasileiras organizam constantemente apresentações de seus alunos. Lembro-me de ter dançado com frequência em shoppings, galerias, encontros, escolas, no Rio e fora da cidade. No Reino Unido e na Europa não é exatamente assim. As apresentações, no período de formação do bailarino, são muito limitadas. Começam a ocorrer com frequência a partir do início da profissionalização.

Isso é bom ou ruim?
No caso da rotina brasileira, tem um lado positivo muito importante. Faz com que a gente acumule experiência e, sobretudo, perca o medo do palco. Na escola do Royal, e mesmo na companhia, não é raro vermos profissionais iniciantes extremamente nervosos e inseguros nas primeiras apresentações. Então esse comportamento brasileiro, que, entre outras coisas, leva às famílias satisfação sobre os estágios de aprendizado, ajuda muito. Normalmente, ingleses e europeus ficam satisfeitos quando dão oportunidade a brasileiros sérios e profissionais.

A imagem do polivalente, que arruma um jeitinho para tudo?
Isso. A polivalência do brasileiro, sempre disposto a achar soluções, resolver problemas, agrada ingleses e europeus. Quase sempre para eles, nessas sociedades estruturadas, se uma etapa der errado tudo deu errado. São muito especializados. Como nós, brasileiros, somos induzidos a vida inteira a arrumar soluções, não nos satisfazemos com isso.

Mesmo após ter sido promovida a bailarina principal, você muitas vezes pediu para ser escalada como solista em montagens que tinham outros bailarinos principais definidos. É isso?
Verdade, mas foi no início. Aquela vontade de dançar, estar no palco, mostrar serviço. Pedia mesmo. Agora tenho me oferecido bem menos para solista porque tenho dançado muito como principal. A agenda está cada vez mais carregada, pesada. Ninguém aguenta, né? [risos]. Dependendo da produção, por revezamento ou outros motivos, um principal ganha apenas duas ou três apresentações na montagem. Então, em alguns casos, peço para fazer também o segundo papel, quando possível. Mas acabei ganhando mais coisas do que gostaria e, agora, fico um pouco mais quieta.

Você disse numa entrevista que é preciso sair do Brasil para viver dignamente do balé. É isso?
Não foi exatamente isso. Dignamente não é o termo próprio, porque muitos bailarinos talentosos têm vida profissional digna no Brasil. Um iniciante no Royal ganha em torno de 27 mil libras por ano, cerca de 2.250 libras por mês. Ao câmbio brasileiro, dá algo em torno de R$ 14 mil. Em libras, na realidade londrina, não significa muito. O custo de vida em Londres é altíssimo, um dos maiores do mundo. Aluguel, produtos, enfim, a vida, de maneira geral, é caríssima. Mas a ênfase que queria dar naquela ocasião nem era financeira, mas a relacionada ao desenvolvimento profissional, às possibilidades de aprimoramento. O Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, por exemplo, desenvolve ótimo trabalho, com excelentes profissionais. Mas, muitas vezes por falta de apoio e aperto de recursos, fazem poucas montagens, duas ou três por ano. No Royal temos 12, 13 montagens no mesmo período. Surgem oportunidades maiores de aprendizado, desenvolvimento e também de aumento de rendimentos.

 


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